quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Seu Agostinho: O velho da flauta

Era um ex-funcionário da UFMG, talvez do Setor de Obras. Depois que aposentou-se, ele começou a recolher pedaços de canos nas ruas e fazia deles sua flauta. Andava com aquilo amarrado em volta do corpo. Todos os dias, por volta das 11 horas, atravessava o Campus Pampulha, a pé, em direção ao bandeijão. Permanecia no restaurante por quase três horas, do lado de fora, tocando sua flauta sem furos. Chamava a atenção sua roupa, sempre estava a velha camisa cinza do Setor de Obras por cima, como se estivesse indo trabalhar. E era como se. Aliás, este setor hoje não existe mais, foi todo privatizado/terceirizado por decisão dos ilustres doutores que solem administrar a universidade pública brasileira.

Alguns frequentadores do bandejão tentavam estabelecer com ele algum vínculo, mas era muito difícil. Outros, faziam dele motivo de piada. Já eu, sempre lhe sinalizava com a cabeça em um ato de agradecimento. Era quase impossível tentar conversar. Aliás, ele nem podia, que bobagem. Minha maior ação afetiva foi lhe pagar o almoço sem que ele soubesse. Juro que queria ter visto a reação do seu Agostinho.

Agostin, Augostinho ou Agustin... Nunca soubemos direito sequer seu nome. Mas mantínhamos com ele, pelo menos alguns de nós, uma relação de carinho e silencioso respeito.

Seu Augustim comia muito, aumentando ainda mais o escárnio de algumas pessoas contra ele.  Sempre achei que era sua única refeição diária. Um prato só para as saladas. O outro com muito, muito arroz mesmo.  De sobremesa, umas quatro ou cinco laranjas. Ele tinha até uma comunidade no Orkut chamada "Véi da Flauta", que a princípio eu achava meio preconceituosa, pelo nome. Hoje nem sei como está porque felizmente não tenho mais Orkut.

Todos os dias após tocar e almoçar, seo Agustin retornava para casa caminhando e tocando sua flauta sem furos pelas ruas do Campus até o bairro ao lado, onde morava.

Apesar da fala atrapalhada, ele explicou nesse vídeo como aprendeu a tocar:  ouvindo os passarinhos, as paredes e os prédios cheios de canos. Por uma ironia qualquer, bem em frente às salas da Escola de Música, ele diz que os prédios estão dormindo.

"- Aos canos só lhes falta o vento".

Pessoas como seu Agostinho fazem muita falta.


* Texto em homenagem ao Seu Agostinho, o Velho da Flauta, cuja flauta o vento ainda sopra gentilmente na memória.

3 comentários:

Anônimo disse...

o véi da flauta é demais. só não entendi o "santíssimo"...pq essa necessidade de racionalizar? o vento no cano, a música aparece...simples assim.

Doutor Sujeira disse...

Concordo. Aliás, o vídeo nunca terminou ou se terminou não mostraram pra ninguém. Acho que fizeram um trocadilho com Santo Agostinho. Santo não, mas na minha modesta opinião ele merecia uma estátua. O filme seria uma bonita homenagem, já que a universidade não se digna a isso.

Anônimo disse...

há uma longa e interessante entrevista que os autores não publicam, apesar da insistência.Ali ele diz o nome de cada flauta. De arrepiar! Vc, que além de sujo e atleticano é influente, poderia conseguir isso...