segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ditadura e anistia no Wikileaks

Uma coisa que chama atenção de quem lê os documentos liberados pelo Wikileaks é a quantidade de citações de revistas e jornais que se constituíram na frente de defesa conservadora brasileira,  que é contra os avanços sociais e econômicos e a favor dos setores liberais e moralistas do Brasil. Revista Veja, o Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e Organizações Globo são constantemente citados nos documentos. Em geral, quando os embaixadores referem-se à mídia, estão falando desses poucos veículos que dominam o noticiário no Brasil e são pertecentes a cerca de apenas 12 famílias.  Como no caso em que relatam o temor da “mídia” com o III Plano Nacional de Direitos Humanos. Aquela velha ladainha de que o Lula queria implantar a censura e um regime autoritário no Brasil.
Isto só aumenta e valoriza ainda mais a importância da chamada nova mídia,  que são as redes sociais da internet, blogs, jornais e revistas não alinhados com o interesse daquelas empresas tradicionais. Até o momento atual, elas dominam a quase totalidade da "mídia" nacional e atuam em bloco, coordenadamente, para fazerem valer sua visão e versão dos fatos, ao mesmo tempo em que se apresentam como únicas entidades  que defendem a liberdade no Brasil.  
Em pelos menos dois telegramas, há referências aos “resquícios negativos” ou “rancores” advindos da ditadura brasileira. Ditadura que, é claro, contou com a colaboração de boa parte dos veículos de mídia que hoje servem de fonte para os embaixadores americanos. Diferentes funcionários da embaixada americana expressaram  uma mesma percepção ambígua sobre o fim da ditadura brasileira. Oscilando entre pontos positivos e negativos do período militar eles afirmam, por exemplo, que “2/3 da população nasceu após a ditadura”, mas ao mesmo tempo expressam uma reiterada preocupação com o recalque social do período ditadorial brasileiro. Embora em muitos destes telegramas chama-se a atenção para os tais resquícios mal resolvidos, eles aparecem ao lado da incrível e lunática insistência em dizer que os militares não querem tomar parte na política nacional. Em vários pontos  eles se contradizem, pois os próprios documentos desmentem esta visão e afirmam: qualquer processo que revise a lei da anistia sofrerá forte oposição militar. Ou seja, para os americanos haverá, mais cedo ou mais tarde, conflitos sociais em torno destas questões que, aliás, o governo Lula quis evitar.


Como já disse, colocarei aqui os links para a íntegra dos documentos. Assim que retornar das férias. Mas gostaria de terminar citando um trecho que achei muito significativo da visão dos americanos sobre o que Dilma Roussef deveria fazer com o Plano Nacional de Direitos Humanos: "Whether or not the plan is taken up by the new Brazilian government that takes office January 1, 2011, these fissures are unlikely to end with significant disruptions in Brazilian society or politics, but will remain a source of friction, and occasional headlines, for years to come".

Diferentemente de outras ditaduras, como a da Argentina, Chile e Uruguai, o Brasil  insiste em jogar para debaixo do tapete o julgamento de integrantes do regime por crimes contra a humanidade. O ex-ditador argentino Videla, por exemplo, foi recentemente condenado à prisão perpétua, pela enésima vez, pela justiça argentina. No seu julgamento, ele se defendeu dizendo que seu país encontrava-se em estado de guerra contra grupos oposicionistas terroristas. Aliás, segundo ele, ainda encontra-se!

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